Estamos celebrando mais uma vez o Natal de Jesus, expressão maravilhosa da misericórdia divina. E neste iniciado Ano Jubilar Extraordinário da Misericórdia instituído pelo Papa Francisco, somos levados à contemplação do mistério revelado: Deus milagrosamente rompeu o abismo que se poderia pensar entre o Criador e a criatura, fazendo-se Ele mesmo criatura entre as suas.
São Paulo aos cristãos de Filipos exortava como fruto do encontro humano com Cristo, Deus entre nós:“2, 5 Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo: 6 Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus.7 Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, 8 humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz! 9 Por isso, Deus o exaltou grandemente, e lhe deu o Nome que está acima de qualquer outro nome; 10 para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho no céu, na terra e sob a terra; 11 e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.”
E assim se fez para elevar a humanidade, de sua condição de pecado e de morte, à glória da filiação divina. E a todos, em Cristo, o Filho Eterno feito homem, por infinita condescendência e misericórdia, faz participantes da natureza e vida divinas.
A isto se dá o nome de misericórdia: o coração voltado ao miserável. E por fidelidade divina, ternura, compaixão e o desejo irredutível de Deus de fazer de sua criatura humana, verdadeira imagem e semelhança sua.
Na tradição litúrgica cristã, o Natal surgiu como uma solenidade que é já “pequena páscoa”, expressão na humildade humana do nascimento, da comunhão misteriosa que Deus realiza com sua criatura humana, fazendo-se carne e habitante entre nós. A expressão máxima e consumada desta misericórdia divina, que ultrapassa qualquer imaginação, se cumprirá na “páscoa da morte e ressurreição”. Na pequena páscoa Deus se esconde na humanidade, se expressa em sua fragilidade. E esta chegará à sua consumação na morte de cruz – suprema humanização de Deus. Na páscoa da ressurreição a humanidade se expressa em divindade – suprema divinização do homem. E para ela agora toda a humanidade caminha como destino certo e definitivo.
Assim reza uma oração litúrgica muito antiga da solenidade do Natal do Senhor na Missa do dia: “Ó Deus, que criastes o ser humano e mais admiravelmente restabelecestes a sua dignidade, dai-nos participar da divindade do vosso Filho, que se dignou assumir a nossa humanidade.” Aqui está a expressão mais consumada da misericórdia divina que faz comunhão plena conosco. Ele supera tudo o que desumaniza a pessoa humana e a eleva a uma altura jamais sonhada.
Desta fonte de misericórdia virá para a humanidade uma torrente que se espalhará nela no espaço e no tempo: a misericórdia entre as pessoas humanas. Se assim Deus ama sua criatura, assim o mesmo Amor no coração humano renovado tomará imprevistas formas. Os relacionamentos humanos serão conformados pelos mesmos sentimentos e atitudes do misericordioso Deus. “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso…” (Lc 6, 36), exorta Jesus a todos os que dele se aproximam. E Ele mesmo dá exemplo vivo desta misericórdia: “Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu, porque ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos.” Mt 5, 45.
E a consequência desta corrente de misericórdia será uma grande, imensa e única comunhão universal. E todos se tornam membros de uma mesma realidade humana e divina: a comunhão dos homens com Deus e entre si. Milagre impensável da misericórdia: coisa que os olhos humanos jamais viram, os ouvidos jamais ouviram e o coração humano jamais sonhou! – 20 “Eu não te peço só por estes, mas também por aqueles que vão acreditar em mim por causa da palavra deles, 21 para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti. E para que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo acredite que tu me enviaste. 22 Eu mesmo dei a eles a glória que tu me deste, para que eles sejam um, como nós somos um. 23 Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade, e para que o mundo reconheça que tu me enviaste e que os amaste, como amaste a mim. 24 Pai, aqueles que tu me deste, eu quero que eles estejam comigo onde eu estiver, para que eles contemplem a minha glória que tu me deste, pois me amaste antes da criação do mundo. 25 Pai justo, o mundo não te reconheceu, mas eu te reconheci. Estes também reconheceram que tu me enviaste. 26 E eu tornei o teu nome conhecido para eles. E continuarei a torná-lo conhecido, para que o amor com que me amaste esteja neles, e eu mesmo esteja neles.”Jo 17. Esta é a vitória da misericórdia! Entre nós ela nasce na carne humana!
+ José Antonio Aparecido Tosi Marques
Arcebispo Metropolitano
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